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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Direitos Humanos+Preservação de Vidas. Uma Discussão, Sobre a Autonomia da Execução de Suspeito.

Preservação de Vidas?
Na Busca pelos Direitos Humanos,
Versus a Autonomia da Execução de Suspeitos.
O Sistema de Segurança Pública do Rio.


Wagner Maia da Costa.


Resumo.

Este trabalho tem por objetivo principal, discutir a luta pelos Direitos Humanos no Brasil, e em específico, se pretende estudar as relações complexas de preservação de vidas na Cidade do Rio de Janeiro. Como fonte de pesquisa, retenho-me ao Programa Nacional de Direitos Humanos Três, (PNH3). Cuja, minhas apropriações de elaboração do trabalho foram as do eixo orientador IV, Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência. Objetivo Estratégico IV: Fortalecimento dos Instrumentos de Prevenção à Violência. Ações Programáticas, J) Fortalecer ações estratégicas de prevenção à violência contra jovens negros.

Partindo desse eixo, discute-se a forma como o sistema de Segurança Pública do Rio atua na preservação de vidas, e na prevenção de ações letais em situação de risco. O caso particular estudado nesse trabalho ocorreu na Zona Norte do Rio, no Bairro da Tijuca, onde um homem em momento de fuga desesperada sequestra uma mulher, e a faz como escudo de proteção da vida dele. A alegação do sequestrador era a de que, se suas reivindicações não fossem atendidas, ele iria explodir a granada, que se encontrava em uma de suas mãos. O desfecho que se deu desse acontecimento, foi de uma refém salva e um homem morto com um tiro de fuzil na cabeça.

Assim, discuti-se a eficiência de um sistema de segurança pública que, trabalha no intuito de salvar reféns e não de preservar vidas. Para, além disso, discutem-se quais as relevâncias dos Direitos Humanos no Brasil diante de acontecimentos desse tipo, que nos coloca em uma discussão bastante travada sobre um sistema de segurança pública menos letal


Palavras Chaves: Direitos Humanos, Preservação de Vidas, Execução Autorizada, no Sistema de Segurança Pública do Rio.




Introdução.

Pensar em segurança pública no Brasil é pensar num processo de discussão bem recente. Por muitos anos, a segurança pública não era pauta de debates nas políticas públicas, e muito menos de debate com fins de redução da violência no nosso país. Segundo o Plano Nacional de Direitos Humanos, Três ou (PNH3), essa abertura de discussão é bem recente, devido aos grandes entraves na política nacional nas décadas anteriores ao período democrático pós 88. Tratava-se de uma repressão dos militares que governaram o Brasil por cerca de 21 anos, que outorgou uma não abertura de discussão sobre os Direitos Humanos no país.

Porém, ainda segundo o relatório do PNH3, este cenário vem mudando. Transformando-se num processo de questionamento sobre segurança pública mais eficaz, e maior abertura no debate das agendas políticas. Programas como o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP); o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci); Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública (Renasp). Programas esses que nos coloca num cenário amplo de discussão sobre sistema de segurança pública, no país.

“Por muito tempo, alguns segmentos da militância em Direitos Humanos mantiveram-se distantes do debate sobre as políticas públicas de segurança no Brasil. No processo de consolidação da democracia, por diferentes razões, movimentos sociais e entidades manifestaram dificuldade no tratamento do tema. Na base dessa dificuldade estavam a memória dos enfrentamentos com o aparato repressivo ao longo de duas décadas de regime ditatorial, a postura violenta vigente, muitas vezes, em órgãos de segurança pública, a percepção do crime e da violência como meros subprodutos de uma ordem social injusta a ser transformada em seus próprios fundamentos.

Nos últimos anos, contudo, esse processo de estranhamento mútuo passou a ser questionado. De um lado, articulações na sociedade civil assumiram o desafio de repensar a segurança pública a partir de diálogos com especialistas na área, policiais e gestores. De outro, começaram a ser implantadas as primeiras políticas públicas buscando caminhos alternativos de redução do crime e da violência, a partir de projetos centrados na prevenção e influenciados pela cultura de paz.1”

Entretanto, não me retenho como campo de análise, os programas mencionados anteriormente, e nem sobre suas eficácias, mas sim no objetivo estratégico IV: Fortalecer ações estratégicas de prevenção à violência contra negros. Meu foco de questionamento parte da prevenção da violência contra negros, ou pessoa em situação de vulnerabilidade social. Por conseguinte, a discussão que se processará nos parágrafos seguintes, pretender-se-á tratar de um caso emblemático que coloca em dúvidas tanto as questões sobre os Direitos Humanos no Brasil, tanto quanto, as ações policiais com fins de preservação de vidas.

Caso Emblemático.

O caso emblemático que vos falo, ocorreu diante de uma fuga desesperada de um jovem, que manteve uma mulher como refém na Zona Norte do Rio, no Bairro da Tijuca, no ano de 2009. O desfecho se deu em uma intensa negociação entre o rapaz e a polícia. O rapaz munido com uma granada alegava que iria explodi-la, se suas reivindicações não fossem atendidas. O fim desse acontecimento foi de uma mulher salva, e um homem morto com um tiro certeiro de fuzil na cabeça.

“A comerciante Ana Cristina Garrido de 48 anos que passou cerca de 40 minutos em poder de um bandido na Rua Pereira Nunes, na Tijuca, contou que chegou a desmaiar durante a ação, na manhã desta sexta-feira. A dona de uma farmácia, que prestou depoimento durante quase uma hora na 20º DP em Vila Isabel, disse ainda que ao tentar sair da farmácia, o criminoso deu uma gravata nela e disse que ela era a única pessoa que poderia tirá-lo dali.

O criminoso identificado como Sérgio Ferreira Pinto Júnior de 24 anos tinha duas passagens pela polícia. A delegada Renata Rocha, da 20º DP, disse que as duas passagens foram nos anos de 2005 e 2008 por porte ilegal de armas e furtos.

O crime aconteceu por volta das 9:30 m. Segundo a polícia, depois de uma hora de negociação, o bandido saiu da farmácia com a refém e andou alguns metros quando um atirador de elite o Major Busnello chefe da 3º seção da 6º BPM (Tijuca), aproveitou o momento em que a refém desmaiou e fez um disparo de fuzil. O Bandido foi baleado na cabeça e morreu a caminho do Hospital. (Site Rede Globo de Televisão) 2.”

O desfecho foi acompanhado por um número significativo de pessoas, que ao verem o rapaz sendo morto aplaudiram o policial, por ter feito o serviço “certo3”, pois boa parte da sociedade, autoridades governantes, e a própria polícia, expressam que “Bandido bom é bandido morto4”. Nesse caso a eficiência da polícia foi condecorada com um bom aproveitamento do dia, se quer perguntaram qual era o passado do homem morto, isto naquele momento era irrelevante, pois o melhor já foi feito, a refém estava salva.

“O Major Busnello, que foi muito aplaudido pelos moradores da região depois da ação estava a uma distância de 40 metros do bandido. A partir do momento que recebeu uma ordem do comandante Coronel Fernando Príncipe, ele aproveitou a oportunidade para fazer o disparo. (Site da Rede Globo de Televisão)”.

A Busca pelos Direitos Humanos.
As Controvérsias Sobre a Preservação de Vidas.

O acontecimento mencionado nos parágrafos anteriores nos coloca, em dois dilemas na busca por um sistema de segurança pública, não letal. O primeiro dilema se dá, na questão da ação policial na prevenção de vidas dos reféns. E se assim pensarmos, o desfecho foi bem executado, neste caso a refém saiu ilesa do sequestro. Entretanto, por outro lado, se olharmos no intuito de preservação de vidas e diminuição da violência, o desfecho foi catastrófico, pois afinal uma vida foi tirada. E é nesse último dilema, que pretendo analisar, como é difícil uma discussão eficaz sobre Direitos Humanos e preservação de vidas, numa sociedade onde a lei nem sempre está equidistante com o contexto social.

Ser sequestrador ou por muitos (Bandido), condicionou Sergio Ferreira Pinto Junior a um condenado a execução rápida e sem um julgamento perante a lei (deve-se deixar bem claro, que pena de morte no Brasil é proibido por lei). Ser criminoso numa sociedade como a do Rio é ter um passaporte para sua condenação à morte. As alegações das autoridades, é que na busca da preservação da vítima opta em acertar o criminoso. O ato final do sequestrador o colocou num julgamento feito sem prerrogativa e, com veredicto dos policiais e aceitação de uma parte da sociedade, assim como da justiça.

Se olharmos momentos diferentes da história, e de sociedades diferentes, veremos que em muitos casos, é melhor ser criminoso, do que não ter nenhum amparo da lei. Condição essa de cometer um crime dava ao indivíduo manutenção do seu direito à vida. A filósofa Hannah Arendt, no seu livro (Origens do Totalitarismo), faz uma análise sobre a vida dos apátridas na Europa dos anos entre Guerras. Segundo a filósofa, ser apátrida, ou seja, pessoas que viviam fora de seu país de origem, eram viver a margem da lei, ou seja, sem nenhum amparo da mesma. Não tinha nenhuma proteção dos seus direitos, no país que estavam alocados.

“Uma vez fora do país de origem, permaneciam sem lar; quando deixava o seu Estado, tornavam-se apátridas; quando perdiam os seus direitos humanos, perdiam todos os direitos: eram o refugo da terra.5”

A discussão da filósofa se dá no âmbito das condições que os apátridas se encontravam na Europa entre guerras. Para ela, na medida em que os Estados nacionais iam se formando, e os regimes totalitários se solidificando, as condições dos apátridas piorava. Eram considerados indivíduos fora da lei, e sem nenhum tipo de direito. Ainda segundo Arendt, se depois da criação do Tratado das Minorias, criado pós Primeira Guerra, com intuito de preservar os direitos das minorias, isto na prática não se procedeu no mesmo propósito de sua criação. Muito pelo contrário, ajudou os grandes estadistas a colocarem seus planos em prática. Planos esses, como deportação dos apátridas, em muitos dos casos, condicionando-os a ida para a condenação a morte, pois muitos dos apátridas fugiam do seu país de origem, por causa da repressão. Naquele contexto, era melhor ser um criminoso, do que ser um apátrida. Este, mesmo sendo apátrida, uma vez cometendo um crime, era automaticamente enquadrado pela lei, tendo respaldo legal, e podendo se defender e lutar pelos seus direitos perante a própria, mesmo sendo considerado criminoso.

“A melhor forma de determinar se uma pessoa foi expulsa do âmbito da lei é perguntar se, para ela, seria melhor cometer um crime. Se um pequeno furto pode melhorar a sua posição legal, pelo menos temporariamente, podemos estar certos de que foi destituída dos direitos humanos. Pois o crime passa a ser, então, a melhor forma de recuperação de certa igualdade humana, mesmo que ela seja reconhecida como exceção. Como criminoso mesmo um apátrida, não será tratado pior que outro criminoso, isto é, será tratado como qualquer outra pessoa nas mesmas condições. Só como transgressor da lei pode o apátrida ser protegido pela lei6”.

Guardadas as devidas e essenciais proporções entre o caso estudado pela filosofa Hannah Arendt, sobre os apátridas, e a Europa no contexto entre Guerras. Não fazendo comparação ao caso estudado nesse trabalho (Sequestro da Tijuca), por se tratarem de países diferentes, e momentos históricos diferentes. O propósito, aqui é expressar o quanto é difícil trazer uma discussão, sobre os Direitos Humanos e preservação de vidas. Os Direitos Humanos nesses casos ficam encubados nas entranhas de uma sociedade, em que o mundo do sistema (no que as instituições funcionam) está distante do mundo da vida, ou seja, não havendo um processo de discussão do que está previsto pela lei, com o que está sendo levado em conta no contexto social. Para Habermas, estes dois mecanismos, têm que andar lado a lado. A separação desses condiciona a separação das lutas pelos Direitos Humanos. Ainda segundo o próprio.

“Porém o direito não pode satisfazer apenas às exigências funcionais de uma sociedade complexa, devendo levar em conta também às condições precárias de uma integração social que se realiza, em última instância, através das realizações de entendimento de sujeitos que agem comunicativamente, isto é, através da aceitabilidade de pretensões de validade7.”

Habermas é a favor de uma racionalidade mais encarnada, onde os homens sejam capazes de dialogarem entre si, numa ideia de uma comunicação recíproca (Razão Comunicativa). Consolidados segundo a cultura, estabelecendo um pacto de coexistência não letal. Ainda para o autor, se tentarmos dissociar o mundo do sistema (mundo das instituições, e onde a vida é operada) da do mundo da vida (mundo do dia-dia), perderemos uma legitimidade de uma agir comunicativo. Há uma necessidade de ter canais em que os processos do mundo da vida sejam canalizados pelos do sistema, e que esse sistema o retribua para o mundo social. Este processo de discussão tem que conviver, com o pluralismo de ideias, e que neste a tolerância seja o fator relevante nas sociedades tão complexas como as contemporâneas.

Assim pensar em casos como o acontecido na Tijuca (Sequestro da dona da Farmácia), em que o agir comunicativo, é interrompido por ações do tipo um tiro certeiro na cabeça de um indivíduo, é pensar a tolerância como último ponto desse processo de discussão. E sendo assim pensado, tolerar essas execuções, mesmo que o suspeito esteja cometendo um crime, é transformar essa tolerância em intolerância. É não pensar na luta por preservação de vidas, e muito menos, pela consolidação dos Direitos Humanos.

Descartar o ser humano como “outsiders”, um mero transgressor das normas estabelecidas na sociedade, põe em cheque qualquer iniciativa de discussão de uma política de segurança pública, que tem como tema principal à preservação de vidas. A morte ao ser banalizada banaliza-se também a luta pelos Direitos Humanos. Banalizando as lutas pelos Direitos Humanos, banaliza-se uma discussão por uma sociedade menos letal e mais pacífica. Assim o sistema de Segurança pública do Rio está diante de dois dilemas. Ou luta-se por preservação de reféns, ou lutar por preservação de todas as vidas, nessas circunstâncias tensas?




Referências Bibliográficas.


Programa Nacional de Direitos Humanos Três. Eixo Orientador IV. Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência. Decreto nº 7.037, de 21 de Dezembro de 2009, atualizado pelo Decreto nº 7.177, de 12 de Maio de 2010.

DE LISITA Enzo. A Morte Servida Na Hora do Almoço: O papel da televisão na banalização da Morte na desvalorização da Vida. Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Cidadania - PUC/Goiás, 2009.

Jürgen Habermas. Direito e Democracia. Entre facticidade e Validade, III. Para a Reconstrução do Direito (I): O Sistema dos Direitos. Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1997.

Arendt Hannah, Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras.

Howard S. Becker. Outsiders. Estudos de Sociologia do Desvio. ZAHAR.

Norberto Bobbio: O Filósofo e a Política. Antologia. Contraponto.

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